Hoje trouxe um texto lindo, e que quando acabei de ler chorei. Mostra como nós humanos a maioria das vezes somos decepcionantes. Dizemos que nossos cães nos desapontam e nos magoam, nesse texto, notamos o outro lado. O lado do melhor amigo do homem...
"Como Você Pôde?"
Autor: Jim Willis - Tradução: Sílvia Schiros
Quando era um filhote, eu o distraia com minhas travessuras e o fazia rir.
Você me chamava de sua criança e, apesar de um certo número de sapatos mascados e um par de almofadas destruídas, eu me tornei sua melhor amiga. Sempre que eu fazia algo errado, você chacoalhava seu dedo para mim e dizia:
"Como você pôde?" - mas depois você se arrependia e me rolava no chão para me coçar a barriga. Meu treinamento demorou um pouco mais do que o esperado porque você estava ocupado demais, mas, juntos, nós conseguimos dar um jeito.
Eu me lembro daquelas noites em que me aninhava a você na cama e ouvia suas confidências e sonhos secretos - e acreditava que a vida não poderia ser mais perfeita. A gente fazia longos passeios e corridas no parque, andava de carro e parava para um sorvete (eu ganhava só a casquinha porque "sorvete não faz bem para cães" você dizia) e eu tirava longos cochilos ao sol enquanto aguardava sua volta para casa ao final do dia.
Aos poucos você passou a gastar mais tempo no trabalho e com sua carreira e levava mais tempo procurando por uma companheira humana.
Eu esperei por você pacientemente, confortei-o em suas mágoas e desilusões, nunca o repreendi por suas escolhas ruins, e vibrei de alegria nas suas vindas para casa e quando você se apaixonou... Ela, agora sua esposa, não é uma "apreciadora de cães" - ainda assim eu a recebi em nossa casa, tentei mostrar-lhe afeição, e a obedeci. Sentia-me feliz porque você estava feliz.
Eu estava fascinada por seus tons rosados, seu cheiro, e queria muito cuidar deles também. Mas ela e você tinham medo de que eu pudesse machucá-los, e eu passei a maior parte do tempo sendo banida para outra sala ou para a casinha de cachorro.. Oh, como eu queria tê-los amado, mas eu me tornei uma "prisioneira do amor".
À medida que foram crescendo, me tornei amiga deles. Eles se agarravam ao meu pêlo e se levantavam sobre perninhas trôpegas, enfiavam os dedos em meus olhos, examinavam minhas orelhas, e davam beijos em meu nariz.
Eu adorava tudo isso e o toque de suas mãozinhas - porque o seu toque agora era tão raro - e eu os teria defendido com minha própria vida, se fosse preciso.
Eu me esgueirava para suas camas e escutava suas inquietações e sonhos secretos, e juntos esperávamos pelo barulho de seu carro no caminho.
Houve um tempo, quando alguém perguntava se você tinha cachorro, em que você tirava uma foto minha de sua carteira e contava histórias sobre mim. Nos últimos anos você apenas respondia "sim" e mudava de assunto.
Eu passei de "seu cão" para "apenas um cachorro" e você reclamava de cada gasto que tinha comigo. Agora você tem uma nova oportunidade de carreira em outra cidade e vocês irão se mudar para um apartamento onde não permitem animais.
Você tomou a decisão acertada para sua "família", mas houve um tempo em que eu era sua única família.
Fiquei excitada com o passeio de carro até que chegamos ao abrigo de animais. O local tinha cheiro de gatos e cães, de medo, de desesperança.
Você preencheu a papelada e disse: "Sei que vocês encontrarão um bom lar para ela...". Eles deram de ombros e lançaram a você um olhar compadecido.
Eles compreendem a realidade que espera um cão de meia idade, mesmo um com "papéis". Você teve que desgarrar os dedos de seu filho de minha coleira enquanto ele gritava "Não, papai! Por favor, não deixe que levem meu cão!".
E eu me preocupei por ele, e com a lição que você tinha acabado de lhe dar sobre amizade e lealdade, sobre amor e responsabilidade, e sobre respeito por todo tipo de vida. Você deu um afago de adeus em minha cabeça, evitou meu olhar e, polidamente, recusou levar minha coleira e guia com você.
Você tinha um tempo-limite para encarar e agora eu também tenho um.
Depois que você partiu as duas simpáticas senhoras que o atenderam comentaram que você provavelmente soube meses atrás da mudança que ocorreria e não fez nenhuma tentativa de encontrar um novo lar para mim.
Elas sacudirram a cabeça e disseram "Como você pôde?". Elas são tão atenciosas para nós aqui no abrigo quanto seus ocupados horários permitem.
Elas nos alimentam, é claro, mas eu perdi meu apetite dias atrás.
De início, sempre que alguem passava pelo meu alojamento, eu corria para a frente, na esperança de que fosse você - que você tivesse mudado de idéia - que isto fosse tudo um sonho mau... Ou eu esperava que ao menos fosse alguém que se importasse, alguém que pudesse me salvar.
Quando percebi que não poderia competir com os alegres filhotes, inconscientes de seus próprios destinos, nas brincadeiras para chamar atenção, afastei-me para um canto distante e aguardei.
Ouvi seus passos quando ela veio até mim ao final do dia e a segui ao longo do corredor para uma sala separada. Uma sala deliciosamente silenciosa. Ela me colocou sobre a mesa, acariciou minhas orelhas, e disse-me para eu não me preocupar. Meu coração se acelerou na expectativa do que estava para vir, mas havia também uma sensação de alívio.
A prisioneira do amor havia esgotado seus dias.
Como é de minha natureza, estava mais preocupada com ela. O fardo que ela carrega é demasiado pesado, e eu sei disso, da mesma maneira que conhecia cada um de seus humores. Ela gentilmente colocou um torniquete em volta de minha perna dianteira, enquanto uma lágrima corria por sua face.
Talvez por ter entendido meu linguajar canino, ela disse "Sinto tanto!", abraçou-me e apressadamente explicou que era seu trabalho fazer com que eu fosse para um lugar melhor onde não seria ignorada, ou maltratada ou abandonada, nem ter que me virar para sobreviver - um lugar de amor e luz, tão diferente deste lugar terrestre. E com minha última gota de energia tentei transmitir -lhe com uma sacudidela de minha cauda que meu "Como você pôde?" não era dirigido a ela.
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